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Opinião

Criança não é mãe! Quantas meninas grávidas ainda precisamos conhecer?


Por Larissa Cassiano*

O que você me diria se eu lhe contasse que pedi para minha sobrinha de 11 anos cuidar do meu filho recém-nascido de 1 mês enquanto eu fico fora por um período? Você acredita que ela tem capacidade de cuidar e definir tudo que meu filho precisará? Você acha seguro deixar os medicamentos para ela dar ao meu bebê? Só por um pouquinho de tempo? Bem, é isso que estamos fazendo ao pedir para uma criança aguardar um pouco mais até ela ter condições de dar à luz uma criança que ela nem compreendeu que está gerando.

Talvez todo esse relato e essas perguntas que fiz pareçam sem sentido, mas o que gostaria de falar é sobre mais uma criança violentada que engravidou, ainda quando tinha 10 anos, e mais uma vez a Justiça, que não deveria fazer parte da decisão, foi acionada e negou a possibilidade de interrupção da gestação. Em um país como o Brasil, em que muitas pessoas são religiosas, é frequente associar o aborto a questões religiosas, eu mesma confesso que não faria um aborto, mas as minhas escolhas dizem respeito a minha fé, a escolha do outro é do outro, e quando o outro não teve escolha, cabe ao sistema, que já tem leis específicas sobre esse fato, dar o acesso adequado, não às convicções.

Como ginecologista, vi pessoas que sofreram violência sexual e engravidaram, vi a dor e algumas que se submeteram a abortos clandestinos, colocando a própria vida em risco por medo. A violência sexual pode gerar um trauma psicológico complexo e quando desse trauma surge uma gestação, uma nova cena de terror pode recomeçar e se vincular ao filho, que não tem culpa pelo ocorrido, tanto quanto a mãe violentada. Mas por que não seguir com essa gestação? Esse bebê é 50% da vítima? Será possível amar essa criança fruto de uma violência sexual? Por que não seguir 10 meses e entregar o bebê para adoção? No final, a pessoa pode até desistir da adoção. Afinal de contas, todas as mães amam seus filhos?!

No Brasil, a interrupção de uma gestação é considerada legal em 3 situações: se a gestação representar um risco de vida para a gestante, se a gravidez tiver ocorrido após violência sexual e nos fetos com anencefalia. Nestes casos o aborto está previsto na lei, não necessita de nenhum tipo de pedido judicial ou boletim de ocorrência. Diante das situações de aborto liberadas pela lei, a mulher pode procurar um serviço de saúde pública para que todo procedimento seja realizado por uma equipe com profissionais de diversas áreas como médicos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais. Esse atendimento não deve hostilizar a mulher, trazer julgamento ou questionar suas escolhas.

As exigências para o procedimento dependem da situação a que ele se refere, no caso do abortamento por risco à vida da gestante, em qualquer momento da gravidez poderá ser realizado necessitando do laudo de dois médicos. Em situações de violência sexual, o procedimento pode ser feito até 20 a 22 semanas, desde que o feto tenha menos de 500 gramas, e neste caso é necessário um laudo médico que avalie a história da paciente e confirme se a cronologia do evento é concordante com período de gestação. Por último, nos casos de anencefalia não se estabelece uma idade gestacional e o laudo de dois médicos é o documento solicitado.

Quantas meninas de 10 anos grávidas ainda precisaremos conhecer para que casos como esse deixem de penalizar as vítimas? Gostou deste texto? Dúvidas, comentários, críticas e sugestões podem ser enviadas para: dralarissacassiano@uol.com.br e veja mais no meu Instagram @dralarissacassiano.

*Médica ginocologista

Uol

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