Hoje universitĂĄria, a brasiliense Nathalia Maciel, de 19 anos, que se identifica como mulher negra, acostumou-se a ouvir em sala de aula sobre heróis e heroĂnas brancos e feitos de europeus que chegaram ao Brasil. Estudou o ensino fundamental e médio em escola pĂșblica na região administrativa de Santa Maria, a 40 km do centro da capital. "Sentia falta de saber sobre pessoas negras, que só eram citadas em 20 de novembro (dia da ConsciĂȘncia Negra). As pessoas só faziam para ganhar nota nas matérias", lamenta.
A percepção da estudante sobre a falta de projetos que valorizem a diversidade e enfrentem problemas como o racismo pode ser constatada em nĂșmeros. Segundo levantamento da ONG Todos Pela Educação, apenas metade (50,1%) das escolas pĂșblicas do paĂs tiveram ações contra o racismo em 2021, ano em que foi feita a Ășltima pesquisa do Sistema Nacional de Avaliação BĂĄsica (Saeb).
O fato é que, naquele ano, o total de escolas pĂșblicas com projetos para combater racismo, machismo e homofobia caiu ao menor patamar em 10 anos. Os dados utilizados foram extraĂdos dos questionĂĄrios contextuais do Saeb destinados a diretores e diretoras escolares, entre 2011 a 2021.
A pesquisadora Daniela Mendes, analista de polĂticas educacionais do Todos Pela Educação, contextualiza que quando questões raciais e de gĂȘnero não são trabalhadas dentro das escolas, o ensino falha tanto no processo de aprendizagem dos alunos quanto na construção de uma sociedade melhor, com menos violĂȘncia e menos desigualdades.
"O impacto que esses dados nos mostram não é apenas educacional. As violĂȘncias sofridas nas escolas podem ser tanto fĂsicas e verbais quanto simbólicas com insinuações e constrangimentos que tornam o ambiente escolar um espaço hostil para determinados grupos. Isso tem um impacto na evasão escolar", afirmou Daniela Mendes.
De acordo com o que analisa a pesquisadora Gina Vieira, professora da rede pĂșblica no Distrito Federal e com projetos premiados em relação à diversidade em sala de aula, a escola no Brasil não promove a diversidade.
"A escola brasileira, assim como o projeto de colonização do paĂs, trabalha na lógica da homogeneização. Então, nós temos um currĂculo racista e uma educação racista. Nós temos um currĂculo oficial que ainda conta a história oficial que é contada na perspectiva do homem branco europeu", pontua.
Ela explica que são raros os materiais pedagógicos diversos que incorporem as vozes dos povos historicamente excluĂdos. "A gente estĂĄ, por exemplo, comemorando 20 anos da Lei 10.639 [que inclui História e Cultura Afro-Brasileira no currĂculo escolar], que é resultado da luta histórica do movimento negro pelo direito da história da África e de pessoas negras em diĂĄspora". Ela cita que as leis não são o suficiente para mudança de perspectivas, mas sim uma mudança cultural e de polĂticas pĂșblicas. "Como diz o Drummond, os lĂrios não nascem por força da lei".
A quantidade de escolas com projetos atentos à diversidade começou a cair a partir do ano de 2015, quando o Ăndice havia chegado ao maior patamar no perĂodo: 75,6%. Desde então, os nĂșmeros despencaram.
Além de racismo, a atuação contra homofobia e machismo estĂĄ na menor parte das escolas brasileiras. Em 2011, por exemplo, 34,7% das escolas relataram ter ações. Em 2017, o Ăndice chegou a 43,7%. Mas, também caiu nos anos seguintes. Em 2021, representava apenas 25,5%.
Para Daniela Mendes, analista de polĂticas educacionais do Todos Pela Educação, o avanço de uma pauta ultraconservadora nos Ășltimos anos, os impactos da pandemia e a falta de coordenação nacional durante a Ășltima gestão do Ministério da Educação foram fatores que podem ter influenciado o cenĂĄrio.
Para a professora Gina Vieira, cabe à sociedade estar mobilizada para cobrar uma escola antirracista e contra machismo e homofobia. "A gente precisa rechaçar com toda força essa perspectiva que a gente viveu nos Ășltimos quatro anos entre o professor e a escola representados como inimigos da sociedade. Como alguém que devo fiscalizar, denunciar, gravar e achincalhar. Um paĂs que não valoriza a educação, a escola e os educadores estĂĄ fadado ao retrocesso", afirma.
Em nota à reportagem, o Ministério da Educação garantiu que tem trabalhado para modificar esse cenĂĄrio desde o inĂcio da atual gestão. A primeira ação foi a recriação da Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão). "Uma pasta que jĂĄ se configura como uma ação afirmativa, na qual tem em sua estrutura a Diretoria de PolĂticas de Educação Étnico-racial Educação Escolar Quilombola, um instrumento institucional para formular, articular e executar as polĂticas voltadas para a implementação da Lei 10.639/03".
Além disso, segundo MEC, foi retomada a formação de professores a partir do apoio financeiro às universidades e relançado o Programa de Desenvolvimento AcadĂȘmico Abdias Nascimento, que fomenta a pesquisa na graduação e pós-graduação. "Outra iniciativa resgatada foi a Cadara, a comissão de assessoramento do MEC formada por entes federais e sociedade civil. Ainda hĂĄ um longo caminho pela frente, mas hoje a Secadi estĂĄ empenhada em garantir recursos para que no próximo ano possa investir ainda mais em ações de combate ao racismo".
Para Ingridy, que é uma adolescente negra, de 15 anos, também moradora de BrasĂlia, e estudante de escola pĂșblica, uma escola preocupada com diversidade e disposta a não ser homogĂȘnea seria fundamental também para o dia a dia. E isso parece uma aula simples. "Ajudaria a combater o preconceito e promoveria o respeito e a aceitação na escola", avalia.
Fonte: AgĂȘncia Brasil