Por ROZEMBERGUE MARQUES*
Sobrinho de Marçal de Souza
Quando se pergunta os nomes de alguns dos heróis ou heroínas nacionais, alguns nomes vêm facilmente à lembrança. Tiradentes, o líder da Inconfidência mineira. Zumbi dos Palmares, valente defensor do fim da escravidão de seus irmãos negros. Duque de Caxias, patrono do Exército e que comandou várias batalhas, ou Anna Nery, a enfermeira que salvou muitas vidas na Guerra do Paraguai.
O que "passa batido", inclusive por ser fato recente, é a inclusão no panteão dos heróis nacionais de uma figura emblemática para a nossa região e notadamente para os indígenas que habitam as diversas aldeias, especialmente a aldeia Jaguapirú, na Reserva Indígena de Dourados: o do líder indígena Marçal de Sousa ou, como ficou conhecido, Marçal Tupã-i, (ou ainda Tupa-Y, que significa pequeno Deus).
Marçal de Souza representa para a causa indígena o que Chico Mendes representou para a defesa da Amazônia. Morreram da mesma forma. Por uma dessas coincidências do destino, no mesmo dia (19 de novembro de 1983) que Marçal, cuja voz incomodava muita gente e chegou inclusive aos ouvidos do papa João Paulo II duramente visita do sumo pontífice ao Brasil em 1980, levava na cidade de Antônio João cinco tiros certeiros, nascia aqui o hoje assistente social e servidor público lotado no Centro de Referência em Assistência Social (CRAS) da Reserva Indígena Kenedy de Souza Morais, sobrinho-neto de Julia Souza chácule, irmã de Marçal. A reportagem conversou com o sobrinho do líder indígena à sombra de um resquício de mata preservada, no quintal da casa onde Marçal criou a família.
Kenedy conta que cresceu ouvindo as histórias sobre a firmeza com que o tio defendia seus patrícios. "Cresci ouvindo sobre essas lutas mas também sentindo na pele os efeitos de um problema cuja raiz do problema remonta o final da guerra do Paraguai quando os guaranis foram expulsos de seus territórios por diversas formas de exploração econômica e intenso derramamento de sangue", relata o sobrinho de Marçal. "famílias que se auto sustentavam foram transformadas em dependentes de cestas de alimentos e vulneráveis as doenças da subnutrição e alcoolismo", pondera Keneddy, que dá continuidade à luta do tio prestando assistência, comno servidor do Centro de Referência em Assistência Social (CRAS), às muitas famílias em estado de vulnerabilidade. Antes lotado no CRAS da Reserva, Keneddy hoje está lotado no CRAS urbano, próximo à Prefeitura Ao final da entrevista a pergunta inevitável: o que mudou na Reserva 40 anos depois da morte de Marçal?
O sobrinho-neto de Marçal é categórico: "Vivemos um outro momento, mas muitas das indagações levantadas pelo meu tio continuam sem resposta. Centenas de famílias não tem acesso à água potável, o inchaço populacional potencializa problemas como alcoolismo e drogas. E algo que vivo no dia a dia do CRAS: a crescente vulnerabilidade de famílias inteiras. Em um resumo, pouca coisa mudou", enumera Kenedy, que apesar desse cenário acredita na chegada de um araporã, termo que em guarani significa "tempo bonito". "É por isso que escolhi a profissão de assistente social e fiz concurso para um órgão que tem o dever de agasalhar e prover as demandas socias da Reserva", concluiu o sobrinho-neto de Marçal de Souza.
Marçal de Sousa foi assassinado a tiros no rancho de sua casa à época, na aldeia Campestre, na cidade de Antônio João. Os acusados do crime foram julgados somente dez anos depois, em 1993. O fazendeiro Líbero Monteiro de Souza, apontado como mandante do crime, executado por Romulo Gamarra, foi inocentado no julgamento realizado dez anos depois pela Justiça Federal de Ponta Porã. Líbero faleceu no início dos anos 2000. No dia 2 de setembro de 2002, o Juiz Federal José Denílson Branco, da 2ª Subseção Judiciária da 1ª Vara Criminal de Dourados extinguiu o processo 2001.60.02.001890-6, o chamado Caso Marçal.
*JORNALISTA E VIOLEIRO
Redação Midia MS Digital/ Jornalista Rozembergue Marques