UCP GIF.gif
MODELO

MĂĄfia: Esquemas de manipulação tĂȘm consequĂȘncias arrasadoras, diz pesquisador

A "Operação penalidade mĂĄxima" investiga a manipulação de resultados no futebol brasileiro

Por Antonio Neres em 26/05/2023 às 08:11:36

A operação Penalidade MĂĄxima, do Ministério PĂșblico de GoiĂĄs (MP-GO), revelou a existĂȘncia de esquemas de manipulação de resultados de partidas de futebol para favorecer apostadores que contavam com a participação de jogadores das Séries A e B do Campeonato Brasileiro.

Para entender um pouco mais sobre este esquema fraudulento, a AgĂȘncia Brasil conversou com o professor da pós-graduação em Direito Desportivo da PUC-PR Tiago Horta, que é membro do ComitĂȘ de Defesa do Jogo Limpo do ComitĂȘ OlĂ­mpico do Brasil (COB).

Durante a entrevista o especialista em integridade esportiva afirma que a decisão do Governo Federal de regulamentar o mercado de apostas esportivas no paĂ­s é positiva, mas não é o bastante. É fundamental estabelecer, em todo o território nacional, um sistema de integridade forte.

Além disso, o pesquisador entende que as consequĂȘncias dos escândalos revelados através da Operação Penalidade MĂĄxima são devastadoras e que, para amenizar um pouco os estragos causados, as punições devem ser exemplares, para que a indĂșstria do futebol não caia em descrédito.

AgĂȘncia Brasil: Em dezembro de 2018 foi publicada a LEI NÂș 13.756, que liberou a atuação das Casas de Apostas esportivas no Brasil. Dessa data até hoje, como se constituiu o universo das apostas esportivas no Brasil?

Tiago Horta: A lei 3.756 de 2018 surgiu no sentido de tentar integrar o Brasil ao que estava acontecendo no contexto internacional. As apostas jĂĄ eram uma realidade em grande parte do mundo, inclusive no Brasil. Era um mercado em crescimento, mas que até então ficava meio obscuro. A própria lei de contravenções penais jĂĄ mencionava a questão das apostas, proibindo que sites desta natureza fossem hospedados no Brasil.

Porém, essa legislação abriu uma brecha para que esses sites operassem a partir de fora do Brasil, o cenĂĄrio que se mantém em sua maioria até hoje. A lei legaliza a questão das apostas de cotas fixas esportivas, mas fica faltando uma regulamentação. Porém, o Governo anterior não teve interesse de mexer com o tema e essa realidade acabou se prolongando até os dias de hoje.

A lei trouxe algumas situações interessantes. Por exemplo, na questão dos patrocĂ­nios ela abriu uma espécie de caixa de Pandora. Antes tĂ­nhamos alguns ensaios de algumas empresas que tentavam ingressar no esporte, anunciando na TV, com tentativas de anĂșncio em manga da camisa de um clube, mas tudo de forma discreta. Não se falava ainda que era site de apostas, usavam outro tipo de nomenclatura. Mas, a partir de 2018, eles se sentiram à vontade para isso, o que levou a que hoje, no futebol brasileiro, praticamente todos os grandes clubes das Séries A e B tenham algum tipo de patrocĂ­nio de sites de apostas. Os anĂșncios nas emissoras de TV também são muito presentes. Essa foi uma das principais consequĂȘncias da falta de regulamentação.

A falta de regulamentação levou à falta de limites na questão dos patrocĂ­nios. Qual o limite do patrocĂ­nio em relação ao uso de atletas? O mercado busca no momento uma espécie de autorregulamentação, propondo que atletas com menos de 25 não sejam mais utilizados. O mesmo acontece com a possibilidade de atletas firmarem parcerias privadas com sites de apostas. Não existe um regramento que libere ou proĂ­ba. O desafio é muito grande nesse sentido. É necessĂĄrio realmente ser verificada essa situação, para que, a partir da regulamentação, tenhamos, ao menos, um conhecimento das regras. A partir daĂ­ as autoridades poderão cobrar o cumprimento delas.

No meu entendimento a regulamentação não é a solução final para manter a integridade do esporte, mas penso que a regulamentação pode ser um dos fatores que ajudarão na construção de um sistema forte de integridade.

AgĂȘncia Brasil: Muitas pessoas ainda não compreendem como se dão as apostas investigadas. De forma sintética, quais as modalidades de apostas oferecidas? E qual a razão de as apostas em cartões amarelos ganharem protagonismo nas investigações conduzidas pelo Ministério PĂșblico?

Tiago Horta: O mercado de apostas ainda estĂĄ engatinhando no Brasil. Ganhou força nos Ășltimos quatro anos. Então, ainda é tudo parte de um grande aprendizado. Os mercados relacionados a um evento esportivo são variados. VocĂȘ tem, por exemplo, o mercado de resultados, de quem vai vencer a partida, que é similar à loteria esportiva. Além disso, hĂĄ o mercado de gols, de quantos gols serão marcados no jogo. Existem variações desses mercados, relacionadas aos tempos do primeiro e do segundo tempo de um jogo: Quem vai ganhar no primeiro tempo? Quem vai ganhar no segundo tempo? Esses seriam os mercados mais populares, nos quais hĂĄ mais liquidez, mais dinheiro correndo. Porém, hĂĄ outros mercados que geram interesse dos apostadores, como o de quem vai marcar o gol, ou de cartões amarelos, de escanteios. HĂĄ pessoas que se interessam em apostar nesses mercados secundĂĄrios, pois acreditam que, eventualmente, pode ser mais vantajoso.

Sobre a questão dos cartões amarelos, entendo que ela ganhou relevância porque, no entendimento dos manipuladores, para manipular o resultado final de uma partida é necessĂĄrio cooptar um grupo de atletas. Dentro dessa noção de fraudes é importante saber que os manipuladores nem sempre conseguem alcançar ĂȘxito em suas tentativas.

AĂ­ entra a questão dos cartões. Para fraudar uma situação de cartão amarelo basta cooptar um Ășnico atleta. Esse acordo é mais pontual, acaba sendo mais fĂĄcil de ser alcançado. Além disso, esses atletas se sentem constrangidos de manipular o resultado de uma partida, o resultado final de um jogo. Mas quando os aliciadores propõem uma fraude em uma situação de cartão, muitas vezes eles conseguem convencer os atletas, afirmando que aquela é uma situação que não gerarĂĄ um grande dano ao resultado da partida.

O grande problema é que, a partir do momento no qual o atleta aceita isso pela primeira vez, ele estĂĄ na mão do aliciador. Então dificilmente conseguirĂĄ sair disso. Ele fica suscetĂ­vel a receber ameaças e chantagens. Por isso a educação é algo tão importante. Os atletas precisam aprender sobre o risco de ingressarem nisso e da importância de refutarem qualquer proposta neste sentido.

AgĂȘncia Brasil: Algo que chama a atenção de muitas pessoas é o envolvimento de jogadores das Séries A e B nestes crimes, isto porque hĂĄ a percepção de que estes atletas possuem bons vencimentos. O que explica este envolvimento?

Tiago Horta: A grande questão é que, quando estamos lidando com atletas, temos que lembrar que estamos lidando com pessoas, não com mĂĄquinas. A questão dos vencimentos mostra muito isso. HĂĄ dois fatores que considero muito importantes aqui. O primeiro é que não hĂĄ uma uniformidade de salĂĄrios baixos ou altos. O Flamengo, por exemplo, tem uma faixa de vencimentos, enquanto o elenco do CuiabĂĄ tem outro. São muito discrepantes as realidades salariais e, dentro dos próprios elencos, também hĂĄ atletas que recebem salĂĄrios muito diferentes uns dos outros.

O segundo fator é que os atletas estão inseridos em um contexto familiar, de amigos. Esses atletas, às vezes para ajudar algum conhecido ou de alguma forma influenciados, podem ser levados a praticarem esse tipo de fraude. Essas fraudes de cartão amarelo acontecerão mesmo nos campeonatos mais importantes, aqueles que terão liquidez nos mercados de cartões, que terão dinheiro suficiente correndo para que se justifique a prĂĄtica dessas fraudes. Muito dificilmente jogos de Séries C ou D oferecerão esse tipo de mercado, pois não movimentarão dinheiro suficiente para que as apostas possam acontecer nesses mercados sem levantar maiores suspeitas.

AgĂȘncia Brasil: Na sua avaliação, quais os prejuĂ­zos que o clima de desconfiança causado pela revelação de esquemas de fraudes traz para o futebol brasileiro?

Tiago Horta: Entendo que a situação é devastadora. O mal tem que ser cortado pela raiz. Os exemplos punitivos devem ser exemplares, não se pode passar a mão na cabeça do atleta num momento como este, pois todo o ambiente é colocado em risco, toda a indĂșstria do futebol fica ameaçada. Basta notar a perplexidade das pessoas nos Ășltimos dias, a preocupação e o sentimento de desconfiança que aumentou de forma absurda. O futebol, o esporte como um todo, tem dois pilares fundamentais: a credibilidade e a imprevisibilidade. Esses dois pilares tĂȘm de ficar de pé, para o bem de toda a indĂșstria esportiva (patrocĂ­nio, contratos de atletas, contratos de TV, etc). Caso um desses pilares seja quebrado, o sistema inteiro vem abaixo.

Penso que os tribunais esportivos estão com uma postura lenta em relação ao que tem sido noticiado pela imprensa. Além disso, hĂĄ a denĂșncia do Ministério PĂșblico de GoiĂĄs que nomeia vĂĄrios jogadores. A partir do momento em que hĂĄ um jogador sobre o qual paira uma suspeita de participação em um esquema fraudulento, é totalmente inviĂĄvel que esse jogador continue atuando. Não é cercear o direito de defesa de ninguém, mas todos esses jogadores deveriam ser suspensos preventivamente, não podendo atuar até que os fatos sejam plenamente esclarecidos. Isso tudo porque todo um sistema estĂĄ em risco e não podemos considerar que a simples presunção de inocĂȘncia desses atletas seja mais importante do que todo um sistema. Temos que manter a credibilidade e a imprevisibilidade. Essa deve ser a prioridade nĂșmero um. Posteriormente esses atletas terão a possibilidade de se defenderem, e aqueles que conseguirem provar sua inocĂȘncia devem voltar a jogar. JĂĄ os demais, penso que não devem.

AgĂȘncia Brasil: Que ações podem ser tomadas (por CBF, Governo, etc) para evitar estes crimes? A regulamentação das apostas pode ser um caminho?

Tiago Horta: Todos tĂȘm um papel no combate à manipulação de resultados. Porém, devemos ter clareza de que não vamos acabar com a manipulação de resultados, mas devemos tomar uma série de medidas para prevenir a ocorrĂȘncia e saber de que forma atuar quando os casos vierem à tona. E essa atuação deve ser assertiva. Principalmente no âmbito esportivo, existe muita dĂșvida em relação ao que fazer, de que forma agir. Nesta questão os diferentes atores relacionados ao setor de apostas esportivas tĂȘm que trabalhar juntos, cada um dentro do seu âmbito de atuação: as autoridades pĂșblicas, a CBF, as demais federações esportivas, os clubes e também as empresas privadas, que podem contribuir com soluções de compliance (para garantir que as regras sejam seguidas), de monitoramentos de sites de apostas, com canais de oferecimento de canais de denĂșncia e com produção de investigações privadas. Existem vĂĄrias ferramentas. Isso tudo tem que ser estruturado dentro de um sistema. Não adianta achar que uma ação isolada das autoridades pĂșblicas resolverĂĄ o problema, ou somente uma ação das entidades esportivas.

O trabalho de prevenção talvez seja o fator mais importante. Fazendo um bom trabalho de prevenção se evita a participação, a entrada, de grande parte desses atletas e ĂĄrbitros em esquemas de manipulação de resultados. É um trabalho que deve ser liderado pelas entidades esportivas tanto de administração do desporto (federações, CBF) como pelas entidades de prĂĄtica desportiva (que são os clubes). Todos eles tĂȘm que trabalhar em âmbito nacional. Não adianta achar que o poder pĂșblico farĂĄ isso sozinho. Mas isso também demanda investimento das entidades esportivas, que muitas vezes se omitem de tomar as providĂȘncias necessĂĄrias, pois afirmam que serĂĄ caro. Mas elas devem compreender que é necessĂĄrio cumprir sua parte, enquanto o poder pĂșblico atuarĂĄ da forma que estĂĄ atuando agora, nos casos nos quais a educação não conseguiu gerar a consciĂȘncia nas pessoas envolvidas (atletas, ĂĄrbitros, dirigentes) de que não deveriam praticar fraudes.

Hoje não temos um ambiente construĂ­do para um trabalho preventivo, e todas as demais iniciativas de combate ao problema não estão consideradas dentro de um sistema. Uma federação, por exemplo, pode contratar um sistema de monitoramento para detectar as fraudes, e eles não sabem dar sequĂȘncia a essa iniciativa. O que fazer com essa informação agora? A prevenção e o combate passam pela construção de sistemas estruturados de integridade. Não adianta achar que uma iniciativa isolada e construĂ­da de qualquer forma resolverĂĄ o problema.

Fonte: AgĂȘncia Brasil

Comunicar erro
UNIGRAN

ComentĂĄrios

sicob